Há 30 anos, no dia de hoje, eu era uma miúda de 16 anos, a
frequentar o ensino secundário. As preocupações que me ensombravam os dias eram tão
importantes que afinal, se desvaneceram.
Há 30 anos, no fim deste dia, 11 de Março de 1986, fui
dormir com a tranquilidade das pessoas irresponsáveis. Mal sabia que nesse dia,
algures, num gabinete em Lisboa, uma folha A4, contendo um despacho, fora assinada
pela então Secretária de Estado da Cultura, Teresa Patrício Gouveia. Essa
assinatura, naquela folha A4, teve o poder de mudar a minha vida para sempre.
É claro que só o soube muitos anos mais tarde. Nem mesmo
quando o Presidente da Câmara me chamou, em 1993, para me propor o lugar de bibliotecária,
que não podia estar vago, no cumprimento do contrato-programa assinado entre o
Município e o IPLB, tive essa noção. Na altura, a proposta foi inesperada mas
surpreendentemente natural. Naquele instante, não tive dúvidas, era para aquilo
que me tinha preparado. Por causa daquele despacho e das consequências que ele
foi acumulando, tornei-me visceralmente bibliotecária. Foi graças a ele que a
Biblioteca de Moura se formou e me recebeu, e depois dela nasceram os pólos, e
fez-se a Feira do Livro, e um dia atrevi-me a sonhar com a Biblioteca Pública
de Évora. Por ser Bibliotecária em Évora, esta tornou-se a minha terra e a terra
dos meus filhos. E depois de aqui chegar, tantas outras vidas já foram mudadas pela BPE, vidas de pessoas que nem sequer imaginavam que tudo isto seria ditado por um
despacho assinado há 30 anos.
Multipliquem agora esta minha história por todos os que
foram tocados por este processo. Graças ao Despacho que criou o Grupo de
Trabalho constituído, entre outros, pela Dra. Maria José Moura e pela Dra.
Teresa Calçada, a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas foi planeada, pensada e
construída. Para a concretização plena deste Rede foram criados Cursos de Formação
na área da Biblioteconomia, que geraram trabalho para as Universidades e
Escolas e habilitaram centenas de novos profissionais com qualificações
específicas para o trabalho das Bibliotecas. Daqui saíram bibliotecários para a
leitura pública, mas também para as universidades, onde, com o seu trabalho, tocam
a vida de milhares de estudantes universitários, proporcionando-lhes melhores
condições de acesso à informação e ao conhecimento.
Nos Municípios, dezenas de arquitectos e engenheiros
desenharam, projectaram e fizeram nascer edifícios de bibliotecas validados
pela tutela, através do então Instituto Português do Livro e da Leitura. Do
papel à construção, as mãos de pedreiros, carpinteiros, electricistas,
canalizadores, pintores ergueram bibliotecas. Ao lado, um novo nicho de mercado
nascia, dada a necessidade de equipar as bibliotecas com mobiliário adequado,
equipamento informático e software de gestão de bibliotecas.
Da Rede de Leitura Pública à Rede de Bibliotecas Escolares
foi um passo. Novo impulso de construção e
desenvolvimento e o nascimento do Plano Nacional de Leitura. As vidas de milhares de estudantes tocadas pelo trabalho das bibliotecas escolares e dos professores bibliotecários. Até as editoras, que
tradicionalmente viam as bibliotecas como concorrência às vendas, receberam um
impulso inesperado, resultado da aposta de um país na leitura e no consumo
literário. Os escritores são lidos e os ilustradores apreciados. Os contadores
de histórias nasceram e levam a palavra a todos os cantos do país.
Todas estas pessoas – e são milhares – viram as suas vidas
tocadas por um projecto que fez florir uma primavera de bibliotecas e as
transformou em sítios felizes.
É certo, ao verão da maturidade e da consolidação, da partida
para novos desafios, ultrapassada que estava a fase de construção, seguiu-se o
outono do desânimo, do desinvestimento, do cansaço. Creio que o que nos falta é
o rumo, o planeamento. Hoje, como ontem, impõe-se a criação de um novo grupo
que pense, avalie e planeie as bibliotecas que queremos ter. E (os meus colegas
que me desculpem a insistência) falta garra a muitos bibliotecários. É preciso
lutar todos os dias. É preciso Ser Biblioteca todos os dias, todos os minutos.
Celebremos estes 30 anos em festa, porque é muito o que nos
orgulha. Mas que a nossa festa seja também preparar o amanhã (como bons
Bibliotecários) e abrir caminho para cumprir o despacho nº 23/86 de 11 de Março,
que mudou a minha vida e a vida de tantos bibliotecários que, com o seu trabalho, estão a contribuir para mudar o país.
Notas finais, porque nem seria eu se não dissesse o que me vai na alma:
1. Decorre hoje, no MUDE, em Lisboa, uma celebração destes 30 anos de RNBP. Não estarei presente porque, infelizmente, a Rede faz distinção entre as bibliotecas apoiadas pelo programa e as que não receberam apoio, pelo que a Biblioteca Pública de Évora não está integrada. Esta é a minha forma de protesto.
2. A comemoração é organizada pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas e decorre num Museu. Lamento que não seja a tutela a comemorar este facto tão importante e que a actividade não decorra numa biblioteca.
3. A BAD é, neste momento, a estrutura que melhor pode catalisar os nossos anseios. A não ser que a tutela decida tomar medidas ou que todos tenhamos uma epifania às 9 da manhã de um dia ainda por inventar, só a BAD pode dar corpo e consistência a um plano de acção e apresentá-lo ao país. Associem-se! E aos que dizem não quererem associar-se porque acham que a BAD não corresponde às expectativas que tinham (ouço isto algumas vezes), há um remédio. Chama-se eleições para os órgãos de direcção. Façam como quiserem, mas participem!
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