Aqui há uns anos, a Dra. Manuela Ferreira Leite, a propósito de uma crise política, sugeriu que o ideal seria suspender a democracia por seis meses. Eu confesso que achei piada à sugestão. Piada mesmo, daquelas piadas absurdas com que os humoristas nos fazem rir.
A minha quase obsessão por corrigir o que não funciona, parar imediatamente com procedimentos que já provaram não funcionar, fazer experiências até encontrar a melhor solução de funcionamento fizeram-me compreender aquele desabafo e rir perante o absurdo e o ridículo da proposta.
A delação premiada, que pelos vistos está em discussão no nosso país, é igual. Em teoria, a proposta era boa. Num instantinho se prendia a bandidagem toda, independentemente da cor do colarinho.
Mas, compreendam, a ideia é tão absurda e ridícula como a de suspender a democracia. Há limites que não se podem ignorar e muito menos ultrapassar. Eu não quero viver - e muito menos que os meus filhos vivam - numa sociedade que incentiva a denúncia fácil, cobarde e interesseira. E desta vez não tenho nenhuma vontade de rir.
quarta-feira, 31 de maio de 2017
sexta-feira, 19 de maio de 2017
segunda-feira, 15 de maio de 2017
Diferentes, mas diferentes.
Estou na fila da caixa, num supermercado. À minha frente
está um grupo de jovens rapazes. Vieram comprar uns snacks para o lanche. São
cinco. Vão chegando a pouco e pouco e vão pagar em separado, mas nem lhes
ocorre ir para o fim da fila. Aproveitam o lugar marcado pelo primeiro e
colocam as coisas em cima do tapete. Respiro fundo enquanto me lembro do meu
filho e de como ele detesta que eu reclame em locais públicos.
À fila do lado chegam duas miúdas. Podiam ser as minhas
filhas. Conversam animadamente, nem prestam atenção ao que se passa. Os
galaroiços da minha fila começam a agitar-se. Mandam bocas em voz alta. Dão risinhos
parvos, tecem comentários sobre o que fariam com as miúdas.
Eu estou a 20 cm deles, mas nada disso os incomoda. São
rapazes. Podem fazer aquilo. A sociedade aceita, até acha piada. As miúdas
começam a perceber. Viram-se para o outro lado, ficam caladas. Sabem que não
lhes resta outra alternativa, a não ser permanecerem em silêncio até que
consigam sair dali com a maior discrição possível. Humilhadas.
Estamos no século XXI, em plena civilização ocidental. Há debates
institucionais sobre a necessidade de salários iguais para trabalhos iguais. Há
leis que determinam números mínimos para a integração de mulheres nas listas
candidatas a órgãos político-administrativos. O dia da mulher, essa instituição
que a sociedade soube ridicularizar até a tornar num absurdo anedótico, é
celebrado com flores oferecidas pelos patrões e mulheres que bebem demais na
única vez no ano em que saem sozinhas para jantar. Vivemos a era do
politicamente correcto em que os políticos começam os discursos por “Portuguesas
e portugueses”, demonstrando apenas que não conhecem o funcionamento da língua
portuguesa.
Mas neste tempo, neste dia vulgar de maio de 2017, às
mulheres do meu tempo ainda não é permitido que se movimentem livremente sem
terem de aturar o desrespeito dos primatas que ainda vivem dentro dos homens
deste tempo. Não é permitido que façam compras num supermercado sem terem de se
sujeitar àquela verborreia abjecta a que muitos ainda chamam piropos.
Não sou feminista, nem reivindico igualdades. Somos
diferentes dos homens e tenho orgulho nessas diferenças.
Peço respeito. Será pedir muito?
segunda-feira, 8 de maio de 2017
A vitória de Marine Le Pen
Já ontem tive esta sensação. Ela fez tudo o que podia para chegar à segunda volta, e depois fez tudo o que podia para não ganhar.
Não lhe interessa governar, porque ela não é pessoa de fazer, de concretizar, de tomar decisões e arcar com responsabilidades. É pessoa de dificultar, de criar obstáculos, de influenciar e manipular, como ela própria disse tão bem ontem à noite: o movimento que lidera é agora "the leading opposition force against the new president's plans". Por isso celebra, porque atingiu plenamente os seus objectivos.
Vai criar um novo partido por duas razões: 1) porque na FN estão fartos de morrer na praia e já não a aturam; 2) porque corre o risco de vir a ser eleita se não quebrar o ciclo de crescimento do partido. Leva os ignorantes que se deixam governar pelo medo com ela e vai continuar a ser a pedra no sapato da França e da Europa, acicatando ódios e intolerâncias.
Não vai passar disto, mas isto já é mais do que preocupante, dada a facilidade que teve em mobilizar e manipular 1/3 dos franceses. Isto é preocupante porque este 1/3 é maioritariamente jovem, não tem memória, de história sabe pouco e ameaça ser maioria na França da próxima geração.
Não lhe interessa governar, porque ela não é pessoa de fazer, de concretizar, de tomar decisões e arcar com responsabilidades. É pessoa de dificultar, de criar obstáculos, de influenciar e manipular, como ela própria disse tão bem ontem à noite: o movimento que lidera é agora "the leading opposition force against the new president's plans". Por isso celebra, porque atingiu plenamente os seus objectivos.
Vai criar um novo partido por duas razões: 1) porque na FN estão fartos de morrer na praia e já não a aturam; 2) porque corre o risco de vir a ser eleita se não quebrar o ciclo de crescimento do partido. Leva os ignorantes que se deixam governar pelo medo com ela e vai continuar a ser a pedra no sapato da França e da Europa, acicatando ódios e intolerâncias.
Não vai passar disto, mas isto já é mais do que preocupante, dada a facilidade que teve em mobilizar e manipular 1/3 dos franceses. Isto é preocupante porque este 1/3 é maioritariamente jovem, não tem memória, de história sabe pouco e ameaça ser maioria na França da próxima geração.
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