Estou na fila da caixa, num supermercado. À minha frente
está um grupo de jovens rapazes. Vieram comprar uns snacks para o lanche. São
cinco. Vão chegando a pouco e pouco e vão pagar em separado, mas nem lhes
ocorre ir para o fim da fila. Aproveitam o lugar marcado pelo primeiro e
colocam as coisas em cima do tapete. Respiro fundo enquanto me lembro do meu
filho e de como ele detesta que eu reclame em locais públicos.
À fila do lado chegam duas miúdas. Podiam ser as minhas
filhas. Conversam animadamente, nem prestam atenção ao que se passa. Os
galaroiços da minha fila começam a agitar-se. Mandam bocas em voz alta. Dão risinhos
parvos, tecem comentários sobre o que fariam com as miúdas.
Eu estou a 20 cm deles, mas nada disso os incomoda. São
rapazes. Podem fazer aquilo. A sociedade aceita, até acha piada. As miúdas
começam a perceber. Viram-se para o outro lado, ficam caladas. Sabem que não
lhes resta outra alternativa, a não ser permanecerem em silêncio até que
consigam sair dali com a maior discrição possível. Humilhadas.
Estamos no século XXI, em plena civilização ocidental. Há debates
institucionais sobre a necessidade de salários iguais para trabalhos iguais. Há
leis que determinam números mínimos para a integração de mulheres nas listas
candidatas a órgãos político-administrativos. O dia da mulher, essa instituição
que a sociedade soube ridicularizar até a tornar num absurdo anedótico, é
celebrado com flores oferecidas pelos patrões e mulheres que bebem demais na
única vez no ano em que saem sozinhas para jantar. Vivemos a era do
politicamente correcto em que os políticos começam os discursos por “Portuguesas
e portugueses”, demonstrando apenas que não conhecem o funcionamento da língua
portuguesa.
Mas neste tempo, neste dia vulgar de maio de 2017, às
mulheres do meu tempo ainda não é permitido que se movimentem livremente sem
terem de aturar o desrespeito dos primatas que ainda vivem dentro dos homens
deste tempo. Não é permitido que façam compras num supermercado sem terem de se
sujeitar àquela verborreia abjecta a que muitos ainda chamam piropos.
Não sou feminista, nem reivindico igualdades. Somos
diferentes dos homens e tenho orgulho nessas diferenças.
Peço respeito. Será pedir muito?
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