quarta-feira, 28 de junho de 2017

Manual para os dias que passam


Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis (Fernando Pessoa)

domingo, 25 de junho de 2017

Três meses e cinco dias

Constatação de hoje: 
1. Coisas em que detesto ter que pensar no meu trabalho: direito de autor aplicado às bibliotecas.
2. Coisas sobre as quais tenho que escrever como se fossem muito interessantes: direito de autor aplicado às bibliotecas.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Quando a Biblioteca faz parte da família




Eram as minhas primeiras semanas em Évora, e a escola do meu bairro convidou-me para uma actividade na biblioteca escolar e outra numa sala de aula. Foi aí que os conheci. Estavam no seu primeiro ano, mas já liam poemas e histórias simples, que me contaram naquele dia, em troca das histórias que levei, quase todas sobre a biblioteca e a forma como me tornei leitora e dependente da presença dos livros na minha vida.

Ficámos amigos, por isso, de vez em quando voltávamos a encontrar-nos. Era eu que voltava à escola ou eram eles vinham à biblioteca participar em actividades ou simplesmente desejar boas férias. Tudo era um bom pretexto para umas leituras em conjunto.







Terminam hoje o primeiro ciclo, por isso ontem fizeram uma celebração do seu percurso, uma festa de comunhão apenas com a família. Professora, alunos, pais e avós, e a Biblioteca. Leram-nos poemas e contos, dramatizaram uma história e cantaram. Emocionaram-se porque são bons meninos, e deixaram-me fazer parte de tudo, porque, na vida deles, a Biblioteca esteve sempre presente.

Alguns - os que têm a sorte de passar as férias com avós pacientes - vão voltar com frequência durante o verão e aproveitam para dois dedos de conversa comigo. Serão leitores, não tenho dúvidas.

Agradeço muito à Professora Domingas ter-me deixado fazer parte desta história. Foi bom rever os nossos momentos ontem, no vídeo onde passaram quatro anos, tantos dias de aprendizagem, de alegria, de trabalho, de crescimento.

Boa sorte meninos! Sejam muito felizes!








sexta-feira, 16 de junho de 2017

O valor das bibliotecas



Há dias, numa conversa com colegas bibliotecários, pedi-lhes que verificassem se, no balanço do trabalho realizado que os respectivos presidentes de câmara certamente vão fazer agora que é ano de eleições, a biblioteca constava como uma das realizações do mandato. É um indicador tão simples e tão revelador, que até assusta, por não deixar dúvidas de interpretação e por ter resultados tão desoladores.

O exercício também se aplica aos programas eleitorais. Em quantos há planos para a biblioteca? Que planos? O que representam? Afinal, quantos votos vale uma biblioteca?

É por isso com satisfação que vejo municípios  determinados em investir nas suas bibliotecas. A esse entusiasmo não é alheio o trabalho entretanto já feito pela biblioteca, a postura pró-activa do bibliotecário e a demonstração de que o investimento compensa.

É o que está acontecer em Lisboa. Depois de um período de sincero desânimo nas hostes bibliotecárias provocado pela transferência da tutela de várias bibliotecas para as juntas de freguesia, como quem se livra do que é indesejado, eis que o município de Lisboa aposta na revitalização das suas bibliotecas e demonstra que todos os cêntimos ali aplicados não são um gasto, mas sim um investimento que dará muitos e longos frutos.

Parabéns à Susana Silvestre pelo entusiasmo e por não se deixar contaminar pelo espírito derrotista, mostrando que é possível inverter rumos e valorizar a Biblioteca Pública!

Pode ver aqui a magnífica Biblioteca de Galveias.






quinta-feira, 15 de junho de 2017

Interesses

Perdoem-me se não alinho nesta indignação nacional que agita as hostes da opinião comentadeira e não vejo inconveniente nenhum em que a Agência Europeia do Medicamento fique em Lisboa.

Em primeiro lugar, ficarei mais indignada se, à conta deste debate estéril, a Agência escapar por entre os dedos políticos para outro país.

Em segundo lugar, e mais importante, ainda estou presa àquelas coisas comezinhas que fazem a verdadeira e justa repartição de recursos no país e de condições de vida equitativas e equilibradas: escolas, serviços de saúde, estações de correios, agentes de segurança, tribunais, finanças, transportes públicos e bibliotecas.

Eu sei que Lisboa, Porto, Coimbra e Braga já têm isso tudo, portanto agora resta-lhes disputar uma Agência Europeia para se sentirem valorizados, mas falar de distribuição justa de recursos no país a propósito disto é... (deixa-me ver se eu encontro a palavra...) Ah, já sei: Ridículo. E um bocadinho ofensivo, vá lá.
 

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Inês, 23

00h10, 14 de Junho de 1994

O que era a preto e branco,  ficou a cores. A vida que vivia sozinha, autónoma, independente, desapareceu. De repente, sem que soubesse como ou onde, ela estava lá, a preencher todas as minhas memórias, em todos os instantes e todos os lugares, à espera do dia em que senti a falta dela e decidi que era hora, à espera do dia em que soube que ela estava para chegar,  à espera da noite em que deu sinal de querer nascer, à espera dos primeiros dez minutos deste dia 14 de junho para estar ao meu colo e ser a coisa mais linda que já tinha visto na vida.

Andamos zangadas, porque eu quero mandar na vida dela e decidir por ela, mesmo sabendo que já passaram 23 anos desde o dia em que o Dr. Bugalho pôs aquela vida nas minhas mãos. O problema é que, para mim, ela é e será sempre a menina rosadinha, doce e tranquila que mudou a minha vida neste dia, a esta hora, há 23 anos, e eu não prescindo de ser a mãe dela.

Parabéns filha!



domingo, 11 de junho de 2017

Já se vê Outubro

De modo que, 30 anos e muitas caixas de migraleve depois daquela malfadada manhã em que dei por mim a vomitar na rua a caminho da escola, de rastos com a dor de cabeça e com a vergonha, fui ao neurologista.

Saí de lá com sentimentos ambíguos: diz que dentro de 3 meses já não devo ter dores,  mas tenho que cumprir um tratamento contínuo,  durante 1 ano.

Ora eu, que gosto tanto de comprimidos - só tomo o migraleve e só quando já não consigo aguentar as dores - encho-me de brio e vou à farmácia aviar a primeira dose mensal. À hora do jantar, começo a faina, até porque sinto uma dorzinha leve a formar-se e a dar todos os sinais de querer vir a ser uma grande dor em apenas meia dúzia de horas.

A noite foi insuportavelmente longa, acordada a todo o tempo, mas nada me preparou para o dia. Foi como se tivesse perdido o controlo do meu corpo. Entre a dor, que se tornou enorme, e o efeito dos comprimidos,  na minha cabeça estava a acontecer uma verdadeira batalha e eu ali estava, completamente impotente, à espera que as horas passassem,  empurrada pela certeza de ser apenas a reacção inicial aos medicamentos e pensando, a cada instante, estar mais perto do alívio.

E é aí que me encontro agora. Ligeiramente aliviada mas ainda perdida numa terra desconhecida onde tudo é enevoado. É verdade que o facto de andar a ler livros de direito e a tentar compreender a eficácia de uma lei sem sanções,  ajuda a tornar tudo bastante irreal.

Não faço risquinhos na parede, mas tenho tudo contado. Faltam 3 meses e 19 dias para entregar a tese. Faltam 3 meses menos 3 dias para estar livre da dor de cabeça. Em Outubro ninguém me pára.

sábado, 10 de junho de 2017

10 de Junho



Não havia melhor forma de comemorar o dia de Portugal. Estão de parabéns o Município de Lisboa e a colega Susana Silvestre pela magnífica Biblioteca que quero visitar na próxima oportunidade. Está de parabéns a Dra. Maria José Moura, a quem todos - dos bibliotecários aos utilizadores - devemos as bibliotecas que temos.

Sem o trabalho desenvolvido há 30 anos dificilmente teria tido a oportunidade e felicidade de ter o melhor trabalho do mundo - ser bibliotecária - e dedicar a minha vida a esta nobre missão de garantir o acesso à informação e ao conhecimento na mais democrática de todas as instituições. Só quando pensamos em tudo o que não teria acontecido a tantas, tantas pessoas, por esse país fora, se o serviço de biblioteca pública não existisse, é que temos noção da grandeza do que foi feito.

Enquanto bibliotecária e enquanto utilizadora convicta da biblioteca pública, o meu agradecimento público e sincero a todos os que - coordenados pela Dra. Maria José - deram o seu melhor para criar uma rede de leitura pública e assim mudaram a face de Portugal.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Grupo de Trabalho das Bibliotecas Públicas - Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central





As Bibliotecas Públicas do Alentejo Central estão a constituir um Grupo de Trabalho para a cooperação e colaboração entre bibliotecas, com o objetivo de melhorar o serviço prestado às populações e fomentar as diferentes literacias, numa lógica de otimização e eficiência de recursos.
O Grupo de Trabalho das Bibliotecas Públicas da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (GTBP CIMAC) é constituído por todas as bibliotecas municipais da região, a que se juntou a Biblioteca Pública de Évora. 

O trabalho desenvolve-se no âmbito da CIMAC e tem o apoio institucional da Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) e da Biblioteca Nacional de Portugal, que tutela a BPE.

Se vive no Alentejo Central, estamos a trabalhar para si!

segunda-feira, 5 de junho de 2017

As contas da cultura, parte 2

Em apenas uma semana somos confrontados com duas atitudes de "vendilhão do templo" relativamente ao património cultural. Primeiro foram as máquinas eléctricas ou híbridas estacionadas ao lado dos belíssimos coches que constituem a magnífica colecção do Museu dos Coches. Agora, foi a fogueira e os danos causados pela realização de um filme no Convento de Cristo em Tomar.




Em ambas as situações, as respectivas directoras foram imediatamente crucificadas e até circula uma petição infame pedindo a demissão imediata da directora do Convento de Cristo, sem que sejam apuradas as devidas circunstâncias e responsabilidades. As redes sociais são a nova fogueira da Inquisição.

Ora, meus amigos, como diria o diácono Remédios, não havia nexexidade. Ou haveria? Ou tudo isto vem da enorme pressão que os serviços do património cultural recebem para aumentar a receita? Arranjar formas de angariar proveitos, é esta a política cultural do meu país?

Atenção, isto ainda é só a ponta do iceberg. Os efeitos não são imediatos e o que vemos hoje são os primeiros resultados de anos e anos de desinvestimento. Mas outras consequências se seguem resultando sempre no mesmo destino fatal: a perda irreparável de património.

Abram os olhos, senhores. É agora ou  nunca.

PS1: Não sei porquê, ninguém parece estar incomodado com o desvio das verbas. Se os valores forem da ordem dos que foram referidos na reportagem, estamos a falar de muito mais de 200 mil euros por ano (só na época alta), desviados da possibilidade de conservação do Convento para os bolsos dos funcionários. Um processo de anos e anos e anos e anos. Toda a gente acha isto normal?

PS2: A DGPC vai investigar o processo. Como deve se feito.

sábado, 3 de junho de 2017

Delito de Opinião

A convite do Pedro Correia, eis o meu artigo no Delito de Opinião:


As contas da cultura

Com o poder público rendido a Salvador Sobral, o cantor foi à Assembleia da República reivindicar mais investimento para a cultura. É quase certo que o Salvador se referia ao apoio às artes, ao investimento no aparecimento de novos talentos, à aposta na diversidade cultural essencial a uma sociedade que defenda a liberdade de expressão e pensamento.

Mas eu vou aproveitar descaradamente a intervenção do Salvador para falar de outros investimentos na cultura: o sector cultural do Estado.

Bem sei que somos bombardeados com a ideia de investimentos avultadíssimos nas jóias da coroa: o Museu dos Coches, o Museu Nacional de Arte Antiga, o CCB ou a Fundação de Serralves. Os orçamentos são ambiciosos mas têm resultados positivos. A Cultura, esse sector eternamente encarado como de segunda prioridade, um bem de luxo que nunca chegou a beneficiar de 1% do orçamento, é afinal um dos sectores mais lucrativos na esfera de administração directa do Estado, especialmente se considerarmos o impacto que tem no Turismo. E estamos a falar apenas em termos económicos, já que o bem maior resultante da actividade cultural nem sequer é contabilizado: a formação de cidadãos conscientes, informados, capazes de gerir o conhecimento que lhes é disponibilizado e de o utilizar em benefício próprio e em benefício da sociedade.

Mas, por trás do brilho oficial, os organismos culturais nacionais limitam-se a sobreviver, em sofrimento constante. Sempre dependentes da novidade que cada ciclo político insiste em introduzir mal toma posse, nunca sabem por quanto tempo a estrutura com que trabalham se vai manter. Falar em delinear estratégias neste quadro é mera utopia.

O panorama dos recursos humanos é dramático. Os constrangimentos que impedem a entrada de gente na função pública estrangulam estruturas patrimoniais, museus, bibliotecas e arquivos. Supostamente há gente disponível em mobilidade, mas não detêm a formação necessária para ocupar os lugares existentes. A escolha está entre esgotar os recursos disponíveis, sujeitando-os a horários de trabalho suplementares (sem qualquer compensação monetária) ou aceitar trabalhadores que nunca quiseram trabalhar nesta área e que não têm qualquer motivação ou sensibilidade para lidar com o público, aos quais ainda é necessário dar formação em contexto de trabalho (e portanto, não credenciada). Para que isso aconteça, é preciso que haja gente disponível, e não há. Não há.

No entanto, o problema mais grave originado pela não admissão de recursos humanos é outro e já começa a fazer-se sentir: não há transmissão de conhecimento. Não há integração na missão de serviço público, não há passagem de testemunho, não há renovação. Os recursos vão inevitavelmente esgotar-se e depois vamos assistir a uma entrada súbita de pessoal não qualificado – a exigência de qualificações é mal vista e encarada como corporativismo – sem qualquer espírito de missão ou cultura de serviço público e todo o conhecimento acumulado de gerações estará irremediavelmente perdido.

De orçamentos nem vale a pena falar. De 2000 em diante, foi sempre a descer. A cultura e os funcionários públicos sempre foram os primeiros alvos a abater em tempos de austeridade e estes serviços conseguem agregar os dois. Não há escapatória possível: corte-se!

E de quem é a culpa de tudo isto? De ninguém. Na verdade, é de todos. É de todos os que, tendo voz activa, nunca souberam defender a relevância e a especificidade da cultura. É de todos os que delinearam medidas a regra e esquadro, no ar condicionado dos gabinetes, sem o mínimo cuidado em verificar os seus efeitos no terreno. É de quem opta por regras inflexíveis que estrangulam o funcionamento dos serviços por não ter a coragem de assumir a tomada de decisões. É dos que insistem em deixar a sua marca pessoal e movem serviços como se fossem peças de xadrez, sem a preocupação de conhecer previamente o que estão a destruir. É dos que furam as regras e gritam escândalos nos jornais para serem beneficiados sob o olhar protector da indignação pública. É dos que encolhem os ombros, confundindo lealdade institucional com falta de verticalidade. É dos que, vítimas da sua própria falta de cultura, recusam compreender o que a falta de investimento na cultura fará à nossa sociedade amanhã.

Sei que temos vivido tempos difíceis nos últimos dez anos, pelo menos. Durante esse tempo, todos nós (ou pelo menos a maioria) aguentou o barco, manteve-o à tona. Contámos para isso com a colaboração e apoio inestimável de todos os trabalhadores da área que compreenderam que, em tempos de crise, só os mais fortes e perseverantes sobrevivem. Nós quisemos ser fortes e perseverantes, e conseguimos. Mas não aguentamos mais, os serviços estão esgotados. É necessário repensar as estruturas, rentabilizar os recursos e sim, há que dizê-lo sem medo, ter a coragem de investir na Cultura.

Mãe

Vou herdar-lhe as flores, pedi-as às minhas irmãs. Um dos grandes amores da sua vida. Mas mãos dela, tudo florescia. O galho mai...