sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Impossível é continuar


Confesso que já estou um bocadinho cansada de ler o nobre texto de uma senhora de 32 anos que manda os governantes do nosso país praticar um acto que habitualmente é conotado com prazer...

É que a ditosa senhora descobriu na passada sexta-feira que estava indignada. Até aqui, enquanto despojaram os funcionários públicos dos direitos de progressão na carreira, de parcelas dos seus salários, de abonos de família e sim, dos tão famigerados subsídios, a senhora dos 32 anos não reagiu. Não era nada com ela, porque ela nem sequer era funcionária pública. Foi de férias.

Quando despojaram os reformados de parcelas importantes do dinheiro que era deles, porque contribuíram durante toda a sua vida de trabalho para terem o direito a uma velhice digna, a senhora dos 32 anos, nada disse. Não era nada com ela, porque ela nem sequer era reformada. Comprou prendas de natal.

Quando famílias inteiras ficaram sem emprego, sem possibilidade de pagar uma casa, de alimentar os filhos, obrigando-se a recorrer às cantinas escolares ou ao banco alimentar para que as crianças tivessem pelo menos uma refeição decente, a senhora dos 32 anos nada disse. Não era nada com ela, porque ela estava empregada. Deixou-se ficar no seu T2.

Quando milhares desceram a Avenida da Liberdade e outras Avenidas protestando pelo mais que evidente saque a descoberto às famílias com o objectivo de dar o dinheiro à banca, a senhora dos 32 anos nada disse. Ou talvez tenha abanado a cabeça em sinal de desaprovação, pensando com os seus botões que estes funcionários públicos são todos uma cambada, deviam saber o que é trabalhar e mais valia que não incomodassem o seu sábado à tarde com aquela gritaria.

Porém, chegou sexta-feira, ouviu o governante em quem muito provavelmente votou anunciar-lhe que perdeu o equivalente a um subsídio, e acordou. Ei-la que vocifera a plenos pulmões, por essas redes sociais fora, recomendando as relações sexuais sem fins de procriação a todos os membros do executivo e políticos deste país. Cada vez que leio o seu texto, lembro-me disto:

E Não Sobrou Ninguém
"Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse."
Martin Niemöller (1892 - 1984)
Ou na versão de Brecht:

Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde. 

Onde estava, minha senhora? Distraída? No seu facebook não havia protestos? Não encontrava pessoas na rua ou na vizinhança a passar necessidades? Acha que não há mais ninguém neste país que trabalhe e mereça a devida recompensa?

Do alto dos meus 42 anos, 25 dos quais a trabalhar e contribuir para que as senhoras de 32 anos deste país tenham estradas, escolas e hospitais, 21 anos de formação académica que de nada me adiantou, lhe digo: Acalme-se. Os seus palavrões nada resolvem. A violência é o que muitos querem promover para poderem apontar o dedo em seguida.

Há muitos meses que conto tostões. Há muitos anos que sou insultada por ser funcionária pública. Há muitos dias que fico acordada, de olhos abertos, sem saber o que vai ser o futuro dos meus filhos. Mas também, há muitas manifestações em que digo Presente. Há muitas greves em que abdico de um dia de salário que tanta falta me faz, para mostrar a minha indignação. Há muitas eleições que deixei de votar nos partidos do centro, como lhe chama.

O que fazemos? Não sei. Não tenho solução. Para já, é preciso pôr fim a este caminho. Nem mais um passo. E depois, vamos tentar um caminho diferente, como na Islândia, por exemplo. Impossível, dirão alguns. Impossível é continuar, digo eu.

5 comentários:

  1. Olá. Bom dia!
    Gostei muito do seu blog, adorei os textos, as opiniões, os comentários... Acabei de incluir o link do seu Açúcar Amarelo no meu "Seguidores de Blogs" (http://seguidoresdeblogs.blogspot.com.br/2012/09/acucar-amarelo.html), e deixei um versículo bíblico para sua reflexão! Assim que possível, nos faça uma visita, você será muito bem-vinda. Abraços.

    ResponderEliminar
  2. Parabéns. 100% de acordo. Ainda por cima, muito bem dito.
    João Oliveira

    ResponderEliminar
  3. Olá Zelia...este sábado voltei a ir para a rua, desta vez em Beja...lembrei-me da manifestação do ano passado... em que tinhamos sido, nós funcionários público as primeiras vitimas das medidas de austeridade...lembro-me de comentarmos que a maioria da população não reagiu porque não era com eles e ainda por cima muitos achavam "era bem feito" (essa canalha de privelegiados que são os funcionários públicos). Desta vez Beja esteve bem composto,,,gente que normalmente não se manifesta lá estava...indignada com o que estão a fazer ao país!Apesar de desta vez as medidas serem mais dirigidas ao sector privado...nós funcionários públicos estivemos lá a dizer que este país é nosso e não é este o caminho que queremos para ele!
    MGantes

    ResponderEliminar
  4. Eu vivo em Lisboa, e esta manifestação apanhou-me em pleno coração do Alentejo, pelo que fui a Beja contestar em nome de todas as dificuldades e injustiças que atravessamos.
    Sabia que em Lisboa não iria faltar gente indignada, mas fiquei contente porque em Beja também ultrapassou de longe os 200 confirmados, ainda bem fiquei contente pelos meus conterrâneos não estarem adormecidos. Eu não sou funcionária pública mas também não quero este rumo para o meu país, e não consigo de forma alguma concordar com alguém que manda o seu povo emigrar, só alguém que não sofreu de perto a emigração, só alguém mesmo muito insensível...

    ResponderEliminar
  5. Atenção queria rectificar quando digo que este país é nosso...é dos portugueses... quando referi os funcionários públicos. é porque há um ano, quando se iniciaram estas medidas troikianas... houve pouca adesão dos cidadãos às manifestações de indignação, e na altura debatemos que a maioria das pessoas achava que como as medidas só afectavam os funcionários públicos não era com elas....Claro que a indignação deve ser de todos..não foram ainda pedidos sacrificios, aqueles de quem os rendimentos não são consequencia do trabalho...e é para esse lado que temos de olhar e não cair no engodo de colocar funcionários publicos contra trabalhadores do privado!

    Mgantes

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.

Mãe

Vou herdar-lhe as flores, pedi-as às minhas irmãs. Um dos grandes amores da sua vida. Mas mãos dela, tudo florescia. O galho mai...