segunda-feira, 11 de junho de 2012

No país real

Reproduzo aqui o texto que publiquei no blogue 2711:


Hoje venho aproveitar-me da visibilidade que o 2711 já tem para chamar a atenção para um problema local. Uma questão insignificante para 99,9% da população portuguesa, mas um verdadeiro terramoto para as famílias de uma freguesia do meu concelho chamada Santo Amador. É uma freguesia com cerca de 400 habitantes, que vivem intensamente a sua terra. Todas as actividades que lá realizamos têm sempre casa cheia, a biblioteca é uma das mais movimentadas do concelho e tem a maior taxa de empréstimo de livros por habitante.

Destas 400 pessoas, algumas dão-me o privilégio de serem minhas amigas, por isso acompanho a apreensão com que aguardam o início do novo ano escolar. Em vez da alegria e azáfama habituais, em Santo Amador os pais preparam-se para meter os seus filhos com apenas 6 anos num autocarro de madrugada para só os voltarem a receber em casa ao entardecer. No caso dos meninos em idade de jardim-de-infância é caso para esquecer. À excepção daqueles cujos pais trabalham fora de Santo Amador e os levam consigo, ficarão em casa, com os avós até à idade de ingresso no 1º ciclo.

É o retrocesso puro e simples em todas as políticas de alfabetização e educação acessível a todos. Eu sei que está a acontecer por todo o país, mas eu resido aqui, o meu concelho é este e são estas pessoas e estas crinaças que eu tenho a obrigação de defender, como bibliotecária, como cidadã, como mãe de outras crianças que tiveram a felicidade de residir num sítio onde as escolas (ainda) não fecharam.

Peço desculpa aos leitores do 2711. O que trago hoje não é considerado um drama nacional, embora o seja de facto. Não é uma prioridade na agenda mediática, embora o devesse ser. As crianças de Santo Amador são números na mesa da Directora Regional de Educação do Alentejo, que nem sequer se digna responder às cartas que os pais lhe dirigem. Mas para mim são crianças verdadeiras, têm cara, história, família e um nome: O Guilherme, o André, o Diogo, a Ana Catarina, a Raquel, o Afonso, o Rui, a Mara, a Noélia, a Beatriz, a Cristiana, o David, o Carlos, o Marco, a Rute e o Tomás.

Em Setembro, deixam Santo Amador e atrás deles, mais cedo ou mais tarde, irão os Pais. E Santo Amador será apenas mais uma aldeia fantasma, a quem roubaram a vida.

         

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