O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa
E por acaso, D. João II sempre foi o meu rei preferido.
"Quantas coisas perdemos por medo de perder."
ResponderEliminar(Brida)Paulo Coelho
Os monstregos são, exactamente, esses medos interiores que nos assolam e que só nós próprios temos capacidade de combater.
A vida é demasiado efémera. Esta simples passagem uma anedota sem explicação. A obsessão pelo ter em sacrifício do ser, a ilusão dos que pensam que é nisso que se traduz a felicidade. Infelizes os que vendem os princípios e a alma por tão pouco, sem distinguirem já onde deixaram, um dia, a vontade.