Há muitas pessoas na rua. Casacos escuros e o bafo branco da respiração a pairar no ar. Passos apressados, conversas animadas, risos espontâneos.
Ninguém repara nas mãos escondidas nos bolsos e no risco fino da sua boca. Cruza-se com um homem novo, como ele, que o olha e sentencia uma pessoa antipática ou mal humorada. Lê-lhe na expressão o desagrado por ter sido obrigado pelo acaso a encarar os seus olhos já quase mortos. Meio segundo depois, o homem já seguiu caminho, sacudindo com o cachecol a memória daquele instante incómodo.
Não pode falar. Não pode contar a ninguém o que o aflige, o que já lhe roubou a esperança, o que lhe apagou o futuro.
Tem SIDA. A doença chegou e ocupou depressa demais o lugar de tudo o que lhe preenchia a vida: os amigos, a família, o emprego, o prazer de ver o sol nascer todos os dias. A noite relembra-lhe que o rastilho é cada vez mais curto e que o fim inevitavelmente chegará.
Nesse dia, quando já não for necessário, os “amigos” estarão de volta, chorando desconsoladamente a sua morte. A família colocará fotografias suas, com aspecto saudável, numa zona de passagem, visível apenas pelo tempo suficiente para dizer “Era meu primo. Morreu novo”. Os conhecidos que agora o ignoram lamentarão a partida de uma pessoa tão boa, tão decente. “Foi azar”, dirão. Foi preconceito, saberá ele.
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A diminuição das despesas do Estado, nesta matéria, também já está prevista. Vamos esperar que os doentes também não sejam, directa ou indirectamente afectados com as medidas de austeridade que se aproximam. Nos últimos anos tem existido um decréscimo de novos casos, pelo que, seria importante que o trabalho de prevenção fosse uma constante.
ResponderEliminarEste País não é para velhos, doentes com Sida, deficientes, sem abrigo, reformados, desempregados, imigrantes, pessoas sem instrução, pobres, feios, contestatários e outros que tais.
ResponderEliminarEste País, esta Sociedade, é para Banqueiros, Doutores Economistas, Empreendedores de Pacotilha, grandes Empresários, Elites Financeiras, Bonitos e Saudáveis.
Os outros, ai os outros… pudessem eles e construiriam um condomínio só para eles, com segurança à volta, para que não ficassem contaminados e impregnados dessa gentalha. Este mundo e esta sociedade por mais que queiram ou não queiram é para todos, e todos temos de lutar, para que todos caibamos num mundo mais solidário, mais justo, onde a riqueza esteja melhor distribuída. Pensem nisto, e não façam da indiferença um modo de vida, façam da luta um ideal, o Mundo pode ser mais justo, assim nós queiramos.