Naquela época, nenhuma de nós se apercebeu da importância que aqueles anos teriam na nossa vida. Apenas detestávamos todas as regras que nos eram impostas: Levantar antes das 8h30 da manhã, arrumar o quarto, não deixar objectos fora do lugar, não perturbar as colegas, não demorar demasiado tempo no duche, não cozinhar no pequeno fogão eléctrico do bar, não cantar nos corredores, cumprir escrupulosamente os horários das refeições, recolher antes das 21h00, não faltar ao respeito às senhoras que nos acompanhavam, não faltar ao respeito ao responsável do lar, aos militares do batalhão, ao Comandante.
Cheguei ao Lar Académico Públia Hortênsia de Castro num dia de Setembro de 1987. Ia estudar para Évora, fazer o 12º ano e, aproveitando a existência de um lar para filhas de militares da GNR, fiquei ali até ao final do 1º ano da Universidade. Depois, a "opção" de trabalhar para ajudar a pagar os estudos impôs-se e saí.
Desse tempo, trouxe várias amizades, mas uma delas destacou-se. A Ana tornou-se rapidamente na minha melhor amiga, a minha mana. A ligeira semelhança física, que levou a algumas confusões engraçadas ao início, foi por nós explorada com o maior descaramento. Mais tarde, a vida encarregou-se de nos trazer outras semelhanças, infelizmente, nem todas agradáveis. Vivemos longe uma da outra e passamos muito tempo sem nos vermos. Mas nos momentos maus, e nos bons também, há sempre alguém do outro lado de um telefone qualquer que diz "Estou aqui".
No entanto, naquele dia de Setembro, há 23 anos, detestei tudo. Odiei Évora, a cidade para onde ambiciono ir viver e trabalhar desde então, e onde fiz questão que os meus filhos nascessem. Achei o Lar frio, impessoal e insuportável, longe de tudo e de todos. Fui recebida por uma colega mais velha, a Glória, transmontana, que me assegurava de 5 em 5 minutos que eu ia gostar de lá estar, e eu acenava com a cabeça, em concordância, mas só pensava "Onde é que eu me vim meter?"
Afinal, passei ali uma boa parte dos momentos mais divertidos da minha vida. O ambiente era fantástico, riamo-nos até chorar, fazíamos asneirada a toda a hora, mas desenvolvemos entre nós um espírito de grupo coeso e unido, uma solidariedade a toda a prova, a certeza indissolúvel de que nunca nos iríamos separar.
Separámo-nos. Mas amanhã, vamos reencontrar-nos, na outra ponta da Av. Dr. Barahona. Tantas, tantas caras de que me recordo quando passo pelas terras de onde elas vinham, tantas vozes, tantos risos, tantos projectos. Boa parte do que sou devo-o àqueles anos, àquelas pessoas com quem partilhei o mesmo tecto e até à meia dúzia de ovelhas negras que por lá passaram, porque contribuíram para nos tornar mais fortes, mais determinadas, e sobretudo, nos ensinaram a separar o trigo do joio, a distinguir o certo do errado.
Até amanhã.
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