O parto estava previsto a partir de 10 de Março. Em meados de Fevereiro, com quase 37 semanas de gravidez, achei que era a altura indicada para fazer limpezas de fundo lá em casa, para que tudo estivesse pronto quando o bebé nascesse.
Planeei tudo muito bem: Estava de férias, por isso de manhã faria limpeza, de tarde passava pela biblioteca, até que o momento do parto chegasse. Comecei pela cozinha, já sabia que seria a divisão que exigia mais paciência.
O armário estava cheio de louça, mas achei que o conseguia desviar sozinha. A dor foi rápida e instantânea. O “Ai!” deveu-se mais à surpresa do que propriamente à intensidade. Fiquei quieta, mas não aconteceu mais nada, tudo parecia normal.
À hora do almoço, o primeiro sinal. Fui tomar duche, já nem almocei. Os telefonemas do costume, ao médico, à família, à biblioteca e lá fui, a caminho de Évora.
Lembro-me de passar pela ponte da barragem de Alqueva. A construção parecia finalmente recomeçar e por isso, havia sempre gente a observar e a aproveitar os primeiros dias de sol do inverno. Olhei e pensei: “Fiquem aí a olhar para as obras, eu vou ter um filho!”
Fui internada pela mão de um enfermeiro nervoso, preocupado e espantado com a minha boa disposição e descontracção.
- Não se preocupe, já é o segundo. Está tudo bem.
Mas não estava. Quando me inclinei para abrir o saco de viagem, tudo se precipitou. O líquido amniótico era tudo o que não deveria ser. O exame médico, e a sentença:
-Preparem-na imediatamente, tem de ir para o bloco.
Enquanto protestava porque, na minha infinita sabedoria e conhecimento ilimitado, não via razão nenhuma para fazer cesariana, não tive tempo nem oportunidade de ter medo.
O peso do efeito da anestesia não me deixava perceber o que era pior, se o frio, se aquela dor funda que me atravessava a barriga. À minha volta vozes iam e vinham, enquanto eu me esforçava por manter os olhos abertos. O relógio estava à minha frente, mas não conseguia interpretar a posição dos ponteiros.
- O que é que eu tive?
- Uma menina. Já sabe que nome lhe vai dar?
- Sim, é Mariana.
Outra vez a escuridão. E as vozes à minha volta. Chegou a pediatra que assistira à cesariana.
- Tente acordar, a sua menina está à sua espera no quarto. Foi um grande susto, a placenta descolou, mais 15 minutos e podia não ter sobrevivido, ou podia ter nascido com problemas muito graves.
- Mas está bem?
- Sim. Prepare-se, porque tem ali uma força da natureza. Qualquer bebé com menos força não teria aguentado, mas com ela está tudo bem.
Durante muitos meses recordei estas palavras, a pensar literalmente que “a mulher devia estar doida”. A Mariana era a bebé mais calma e tranquila que conheci, e todos os meus filhos foram bebés muito calmos. Dormia horas e horas, nunca chorava. Durante a licença de parto, levava-a comigo quando ia à biblioteca, dentro da alcofa. Passava ali horas, quietinha, sem incomodar ninguém.
Até aos nove meses.
Desde então, e até hoje, continuo a lembrar-me das palavras da pediatra e penso “como é que ela conseguiu perceber aquilo nos poucos minutos do parto?”
Dona de uma personalidade fortíssima, a Mariana é determinada e corajosa. É incapaz de pactuar com mentiras e sente-se perdida perante atitudes de deslealdade. Responsável, trabalhadora, organizada e perfeccionista, tenho de lhe dizer muitas vezes que a adulta sou eu, e que não se pode preocupar com tudo o que a rodeia.
Argumenta, discute, insiste e leva sempre a água ao seu moinho. Talvez eu seja a única pessoa no mundo que lhe consegue fazer frente quando mete uma ideia na cabeça. Talvez porque passámos juntas, sozinhas, por aquele momento. Eram 19h05 do dia 20 de Fevereiro de 1997.
Parabéns, filha.
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Um beijo às duas.
ResponderEliminare um miminho especial á Mariana...
ZP ... outra festa hoje ??? ... mas não sabem fazer outra coisa ??? rssss
ResponderEliminarBjs para a aniversariante e quiçá ... rsssss
LT
Esta família está sempre em festa, é a vantagem de sermos muitos.
ResponderEliminarMuitos parabéns à Mimi, uma menina formidável, meiga, carinhosa e sempre pronta a ajudar. Há cinco anos quando cheguei à familia Biblioteca era uma menina e agora ja é uma moça... o tempo passa... Que a vida lhe sorria sempre de forma suadável .
ResponderEliminarbeijos
Marta Santos
Aposto que quando acabaste de escrever o post tinhas uma lagriminha no olho.
ResponderEliminarParabéns sobrinhita linda, e para a mãe também.
É sem dúvida nenhuma uma força da natureza, mas está sempre lá quando precisamos dela.
beijinhos
Patricia
PARABÉNS MARIANA
ResponderEliminarBjs
Célia Almeida
Parabéns Mariana, não tenhas pressa em crescer. Um dia destes vais perceber que o tempo passa mesmo muito depressa, por isso aproveita bem a idade que tens. Não te preocupes tanto que a "Super-Mãe" há-de estar sempre por perto..:)
ResponderEliminarNão sei se os bolos já chegam tarde, mas fica a intenção. Como é que eu sei que gostam tanto de bolos...??? eh eh
O primeiro é para a aniversariante; o segundo é para a mãe que bem merece.
Zélia feche os olhos e deixe-se de caretas porque acho que é mesmo de chocolate :)
http://3.bp.blogspot.com/_EzePk3gYPss/Sk4aYLOGgdI/AAAAAAAAAGc/qW1WkzncfSw/s320/super+
http://novo-mundo.org/log/wp-content/uploads/bolo-de-aniversario.jpg
BB
Bah, que horror! BB, lá para o verão não me vou esquecer.
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