quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A vida de Rosa Lobato de Faria

Excertos de uma "Entrevista de vida" à revista Sábado:

Não se tem em grande conta como actriz?
Não tenho nenhuma preparação académica. Tudo o que faço é por intuição, logo aí não acredito nos meus dotes. Mas vou fazendo e vou gostando.

Foi uma menina “bem”?
Fui uma menina relativamente “bem”. O meu pai era oficial da Marinha e a minha mãe era filha destas senhoras que se percebe que são bem-nascidas. Não fui uma menina rica, mas tive uma infância desafogada. Em roupa gastava-se pouco, mas tínhamos uma mesa farta. Em casa tínhamos sempre duas criadas e uma cozinheira.

Onde nasceu?
Em Lisboa. Vivíamos num apartamento em Entrecampos e estudávamos no Colégio Moderno. A minha irmã era mais velha e mandava em mim. O meu pai estava ausente e quando regressava eu pensava que não gostava daquele senhor porque não o conhecia.

Ele era muito autoritário?
Sim, porque estava habituado a mandar. Às 13h almoçava-se e quem não estava não comia. O pai mandava e era assim que se fazia. Acho que não gostava muito de crianças, mas tratava-_-nos bem. Não era nada efusivo, nem isso se usava na altura.

E a sua mãe como era?
A mãe era meiguíssima. Com 13 anos fui para o colégio interno, o Instituto de Odivelas, onde fiquei quatro anos. Adorei, tanto pelo companheirismo como pela disciplina, mas acima de tudo pelo tempo que tinha para estudar. Adorava ser boa aluna.

Mas não ficava triste por estar longe da família?
Sim, claro.

Chorava à noite na camarata?
Pelo amor de Deus, fui educada para cumprir as minhas obrigações sem lágrimas. Uma choramingona é desprezível.

Era muito certinha?
Fumámos uma vez às escondidas e ficámos enjoadas. O importante era o companheirismo, nunca denunciávamos ninguém. As “chibas” eram mal-vistas. Aos domingos as visitas levavam bolos e nós dividíamo-los por todas, porque algumas não recebiam. Havia uma que guardava os bolos dela na mesinha-de-cabeceira para não dar às outras. Nós íamos ao dormitório durante o dia – o que era proibido – e comíamos-lhe tudo.

Havia muitas regras em sua casa?
Sim, à mesa, por exemplo. Esta coisa de os meninos se estatelarem no sofá não existia na altura. A menina sentava-se como deve ser ou então ia para o quarto. A minha mãe falava connosco em francês ao jantar porque para ela não saber falar francês era o mesmo que não saber comer a sopa.

Qual era a cor política lá de casa?
O meu pai era contra o Salazar, mas uma das coisas que me ensinaram é que era falta de educação uma senhora discutir política.

Teve muitos namorados?
Naquele tempo ninguém tinha muitos namorados. Era uma coisa que se fazia à distância. Na Figueira da Foz, onde vivemos nove anos, eles assobiavam e nos íamos à janela.

Entretanto, foi estudar para Coimbra.
Entrei em Germânicas porque sabia inglês e alemão. Odiei. O que queria era ser actriz, mas não me deixavam e, por respeito profundo pela opinião dos meus pais, não segui. Entretanto, casei-me e foi pior a emenda do que o soneto porque não podia fazer coisíssima nenhuma.

Casou-se apaixonada?
Não, que ideia! Não sou de paixões. Casei-me aos 19 anos porque se usava.

Onde se conheceram?
Tinha-o conhecido em Caminha. Era filho do visconde da Granja. Eu vivia em função do cinema e, como nos filmes, a minha ideia era ter uma saia enorme, cruzar as pernas e casar com o visconde da Granja.

Como foi esse primeiro casamento?
Ele tinha mais quatro anos do que eu e trabalhava na produção de vinhos do pai. Tivemos três filhos. O curso acabou-se. A ideia subjacente era a seguinte: ou és casada ou tiras o curso. E eu até nem gostava do curso. Fui viver para um solar em Amarante que fazia parte do meu sonho cinematográfico.

Como ocupava o tempo?
A princípio não fazia nada. Depois convenci o senhor de que aquilo não era nada, que ele devia ter um emprego. Como a mãe dele era de Évora arranjou-lhe um emprego lá. Fomos para Évora em 1955, na altura já tínhamos uma filha de 2 anos e eu estava com outro na barriga. Foi uma vida diferente: alugámos um andar e eu tive de aprender a cozinhar. Uma tia ofereceu-me o Pantagruel e salvou-me a vida.

Fazia tudo sozinha?
Tinha uma criada, mas era daquelas modernas que vão dormir a casa. De repente percebi que gostava de cozinhar, talvez herdasse o jeito de umas tias paternas. Agora tenho um neto de 16 anos que quer ser chef.

Teve de ir trabalhar?
Sim, vim para Lisboa fazer um curso de guia intérprete. Depois, voltei para Évora para preencher uma vaga que tinha aberto lá. Entretanto, separei-me.

O que fez quando saiu de casa?
Fui com os pequenos para casa dos meus pais, em Lisboa. Estive um bocadinho em casa deles e depois conheci uma pessoa com quem vivi 14 anos, que já morreu e é pai do meu filho Nuno.

A sua família reagiu bem à separação?
Não me chatearam nada. A família da parte do meu pai era conservadora. Depois divorciaram-se todos. Aos 25 anos resolvi arrumar as minhas ideias. Até ali tinha feito o que os meus pais achavam bem, aos 25 anos comecei a pensar pela minha cabeça. Foi um balanço. De um lado coloquei coisas como o carácter, a lealdade, a verdade. Do outro coisas tipo: a mulher tem de obedecer ao marido. E pensei: “Puta que os pariu.” Percebi que o essencial era pouca coisa, como ser leal comigo própria e viver como achava que devia viver.

Como é a relação com o primeiro marido?
Quase inexistente, mas muito boa. Eu tinha este conceito: não posso estar de candeias às avessas com o pai dos meus filhos. Ele é muito tímido, eu tenho muita lata. A primeira vez que nos encontrámos, dirigi-me a ele e disse: “Estás bom? A tua mulher está boa?” A partir daí tudo bem. Mas não vamos juntos para a praia do Meco.

Teve com os seus filhos uma relação diferente daquela que os seus pais tiveram consigo?
Muito diferente. Havia uma revista fantástica, a Life, que tinha tudo sobre bebés. Eu expliquei o assunto aos meus filhos a dar--lhes muitos beijinhos. Lembro-me de a Teresa [Sachetti] me perguntar se o bebé nascia despido: “Sem uma camisa nem nada?” Quando as minhas filhas namoravam, dizia-lhes: “Façam o favor de ir para a cama com os namorados, ninguém deve casar-se sem ir para a cama com um homem. Porque se as coisas correm mal na cama, é meio caminho andado para o casamento ficar estragado.” Não sou uma mãe convencional.

Os seus pais falaram-lhe sobre sexo?
Tive uma educação amputante desse ponto de vista e era preciso que me tivessem explicado. Eu era inteligente, teria percebido. Quando me apareceu a menstruação, estava a tomar banho de imersão e julguei que ia morrer porque nunca ninguém me tinha falado naquilo. Por outro lado esta educação fez com que eu tivesse uma infância de fadas.

Como foi a experiência da maternidade?
Não gritei, nem quis marido nenhum ao pé de mim durante o parto, porque era um assunto entre mim e Deus.

Quando entrou para a televisão?
Em 1971 abriram um concurso porque uma locutora ia de licença de parto, só que ela decidiu trabalhar logo a seguir a ter a criança e eu fiquei sem o lugar. Comecei por fazer uns programas literários e acabei por ficar 15 anos. Havia regras ridículas: não podia dizer aborto, vermelho, divórcio e suicídio. Depois do 25 de Abril, os programas literários acabaram e comecei a fazer novelas.

Quando se estreou nas telenovelas?
Em 1982, na Vila Faia. Sabia que o Nicolau Breyner estava ligado ao projecto e então disse-lhe: “Se precisares de uma quarentona com bom aspecto, lembra-te de mim.”

Quando começou a escrever?
Comecei muito nova, mas senti-me um bocadinho bicho de jardim zoológico porque a minha mãe não resistia a contar às amigas. Então passei a escrever na cabeça sem passar para o papel. Depois de estudar literatura percebi que havia outros senhores que tinham o mesmo defeito que eu, chamados Camões, Antero de Quental, etc. Portanto, não tinha nada de me envergonhar. Recomecei a escrever. Só quando conheci o Joaquim [Magalhães, o actual marido] é que ele me disse que tinha de ter a humildade de publicar.

Qual foi o seu livro que vendeu mais?
Tenho a impressão de que foi Os Três casamentos de Camila S. Inspirei-me na vida da minha bisavó que casou com 12 anos com um homem de 40. Ela teve o primeiro filho aos 16 anos, o que me leva a crer que só começaram a ter vida sexual quando ela fez 15. Também sabia que no princípio do casamento ela andava no colégio e brincava com bonecas. Sempre achei isto bonito e horrível ao mesmo tempo.

Quando se separou pela segunda vez?
A 30 de Abril de 1975. Eu não era casada com ele porque a concordata não permitia. A segunda separação não foi nada frustrante, estava farta de homens até aos olhos.

À terceira foi de vez?
Ele [Joaquim Magalhães] é uma pessoa extraordinária. Na altura não queria mais homem nenhum na minha vida, mas já estamos juntos há 30 anos.

A beleza foi um empecilho na sua vida?
A beleza foi um empecilho porque eu preferia ser vista como inteligente.

Foi difícil envelhecer?
Facílimo. A única coisa importante é a família. É a única coisa pela qual morreria.

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